Fonte: TCESP
Sérgio Ciquera Rossi
Ouve-se com bastante frequência que a agora isolada vigente Lei nº 14.133/2021 – Nova Lei de Licitações e Contratos, NLLC – criou inúmeros entraves àqueles que dela dependem para o exercício de suas atividades. Obviamente que a leitura apressada ou menos refletida possa deixar, de fato, essa impressão; contudo não é esse, com o devido respeito aos discordantes, o melhor entendimento.
Com efeito, a NLLC é moderna e inclui instrumentos inovadores, assim como estabelece procedimentos que até então ressentiam-se de maior clareza – em especial a inexistência de regras que delimitassem o cabimento desses procedimentos. Exemplo disso é o registro de preços, agora classificado como ‘Procedimento Auxiliar’, cabível tanto nas concorrências quanto nos pregões e nas contratações diretas.
Não há como negar que esse instituto é de enorme valia para qualquer que seja a estrutura administrativa, considerando que sempre haverá fornecedores ou prestadores disponíveis e compromissados com o dever de cumprir o objeto contratado. Evita-se, desse modo, a nociva repetição de certames licitatórios, muitas vezes cercados de incertezas e equívocos formais que maculam a licitação. Com o registro de preços vem a definitiva institucionalização da ‘adesão’, a qual simplifica ainda mais o trâmite de qualquer aquisição, sempre com a devida observância aos necessários aspectos legais e logísticos para tal.
Noutro passo, foi criado, pela NLLC, o Portal Nacional de Compras Públicas – PNCP –, em que estarão disponíveis todas as licitações realizadas na Federação. Também ali serão franqueadas informações sobre fornecedores e preços, de modo a balizar, de forma consistente, o certame que se pretenda instaurar. Também em relação às contratações, vale refletir sobre o artigo 151 e seguintes, que tratam dos “Meios Alternativos de Resolução de Controvérsias”. Necessário ponderar que sua adoção precisará ser prévia e profundamente discutida, em razão de figuras que gravitam na Administração, mas que não foram insertas na NLLC. Tal novidade, no entanto – e indubitavelmente – presta-se a minimizar as controvérsias contratuais da Administração, com não raros longos litígios submetidos ao Poder Judiciário.
Igualmente merece destaque o artigo 6º, que apresenta, com exatidão, a definição de cada figura integrante da licitação e da contratação do Poder Público. Exemplo dessa classificação minuciosa pode ser visto na definição de sobrepreço, de superfaturamento ou de reajustamento e de repactuação, somente para citar alguns.
Esses pontos são, seguramente, de grande valia. Sem embargo, há um que merecerá muita atenção e que está delimitado no inciso XX do mesmo artigo 6º, a saber, o “ESTUDO TÉCNICO PRELIMINAR – ETP”. O dispositivo descreve-o como “documento constitutivo da primeira etapa do planejamento de uma contratação que caracteriza o interesse público envolvido e a sua melhor solução e dá base ao anteprojeto, ao termo de referência ou ao projeto básico a serem elaborados caso se conclua pela viabilidade da contratação”. Assinale-se que o ETP se aplica a toda e qualquer contratação, realçando-se àquelas destinadas a obras, uma vez que o ETP subsidiará o anteprojeto, projeto básico e executivo.
Extrai-se dessa definição que não há – como tantas vezes dito – a menor chance de êxito sem o planejamento agora alçado à condição de princípio (confira-se o artigo 5º), o qual deve estar alinhado ao planejamento estratégico, ao plano anual de contratações e ao planejamento orçamentário. Noutros termos, é preciso que haja harmonia daquilo que se pretende contratar com o orçamento público e com as disponibilidades financeiras.
Todas as inovações trazidas pela NLLC são interessantes e demonstram alto potencial de sucesso para as contratações públicas. Entretanto, o ETP revela-se como instrumento de suma importância, haja vista ser escorado nas seguintes premissas:
1. documento constitutivo da primeira etapa do planejamento;
2. caracterização do interesse público;
3. busca da melhor solução para a contratação; e
4. conclusão sobre a viabilidade do ajuste.
Tais diretrizes não estavam previstas na Lei nº 8666/1993, que limitava os cuidados com as contratações – particularmente obras – ao projeto básico, ao projeto executivo e à execução das obras, conforme previsto nos incisos I, II e III do ora revogado artigo 9º. Não eram estabelecidas quaisquer providências em relação à avaliação do interesse público a ser alcançado, tampouco quanto à viabilidade da iniciativa. E é preciso destacar que tais pressupostos são os necessários para que se inicie com responsabilidade qualquer contratação, seja de maior ou menor vulto. O ETP exige a aferição do objeto conjugada à avaliação do interesse público envolvido, resultando, consequentemente, na obtenção da melhor solução nas contratações.
O respeito a esses pressupostos levará, indiscutivelmente, ao fim de elevados desperdícios de recursos públicos, cujo exemplo mais dramático é o das obras atrasadas ou paralisadas, que tanto tem prejudicado o interesse público. Forçosa é a conclusão de que toda contratação que não atenda o planejamento, agora lastreado no ETP, estará fadada ao insucesso.
Vê-se, então, que as ações de fiscalização dos Tribunais de Contas deverão voltar-se à verificação da efetiva necessidade das contratações, analisando se foram firmadas tendo como base a melhor opção e especialmente se houve, de fato, atendimento ao interesse público. E isso as Cortes de Contas cumprirão, sem qualquer exceção, no diligente exercício de seu múnus público – que lhe foi constitucionalmente atribuído.
* Sérgio Ciquera Rossi é Chefe de Gabinete da Presidência do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.